JULIANA CUNHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Jovem, magro, olhos e pele clara e um certo gosto por inserir piadas no meio de sua palestra. Podia ser um palestrante motivacional, mas era o monge Devananda, iogue canadense que veio ao Brasil lançar a edição brasileira do livro "A Ciência Sagrada" (Self-Realization Fellowship, 115 págs, R$ 28), escrito pelo guru Sri Yukteswar Giri em 1894.
"A Ciência Sagrada" é um dos livros sobre meditação mais conhecidos do mundo: "Nos anos 70 a gente se reunia para estudar esse livro. Era difícil entender a mensagem profunda que ele trazia com nosso inglês ruim", conta Francisco Araújo, praticante de ioga que estava no evento.
Letícia Moreira/Folhapress | ||
O monge Devananda durante entrevista para a Folha |
A obra, no entanto, só ganhou edição brasileira neste mês, por meio da editora Self-Realization Fellowship, organização com sede na Califórnia fundada em 1920 por Yogananda, autor de outro bestseller da meditação: "Autobiografia de um Iogue" (Self-Realization Fellowship, 563 págs, R$ 49).
"A Ciência Sagrada" traz técnicas de meditação e harmonização das energias do corpo, além de comparar trechos de livros sagrados de várias religiões para defender a tese de que todas as crenças defendem os mesmos princípios de felicidade e poderiam conviver em harmonia.
O lançamento do livro comemora os 150 anos da kriya ioga, prática indiana que tem por objetivo acelerar o desenvolvimento espiritual e alcançar a calma. Segundo os praticantes, a kriya ioga é uma prática muito mais antiga, milenar, mas passou um logo período no esquecimento até ser retomada pelo iogue Lahiri Mahasaya, em 1861.
Em entrevista à Folha logo após a palestra, swami (monge) Devananda falou sobre meditação, mercantilização da ioga e a necessidade de seguir um guru:
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Folha - O senhor não acha que hoje em dias as pessoas falam demais sobre meditação, mas acabam meditando muito pouco?
Devananda - Certamente, mas não só com a meditação. Falar é sempre fácil, as pessoas falam o tempo inteiro e cada vez mais. Falam sobre alimentação saudável, sobre meditação, sobre sustentabilidade. Quem medita, no entanto, aprende a dar valor à prática. É ela quem guia, muito mais que a teoria e infinitamente mais que o falatório.
A kriya ioga exige um ritual de iniciação com um guru para ser seguida. O senhor não acha que isso limita muito a difusão da prática?
Hoje em dia há uma dificuldade muito grande em seguir alguém, em ter um guru. As pessoas consideram que o julgamento delas é claro e perfeito e que podem fazer tudo sozinhas. A meditação é uma jornada muito difícil sem um guia. Aos que querem fazer tudo do seu jeito eu digo: vão em frente, mas não tenho muita confiança sobre o quão em frente eles poderão ir. Entendo que é cada vez mais difícil confiar em alguém, se deixar guiar, mas esse é justamente o primeiro grande desafio do iogue. É um exercício de profunda humildade.
Mas como identificar um guru de verdade? Não há muito charlatão nesse meio?
Há muito charlatão em todo meio! Pergunte para qualquer especialista de qualquer área e ele falará da quantidade de charlatões em seu meio. Para achar um guru a pessoa precisa sentir confiança. Existem alguns bons indicativos: um guru não fala muito de si, ele demonstra preocupação real com seus discípulos, ele é humilde e dá valor à meditação. Ele sempre vai citar grandes gurus do passado em vez de se colocar como exemplo.
Um bom professor de ioga não necessariamente é um guru. Ele pode ser apenas uma pessoa que dominou as técnicas do processo, com habilidade para ensinar o que o corpo precisa fazer. Um guru é algo muito maior e ele nem sempre precisa estar encarnado.
Um bom professor de ioga não necessariamente é um guru. Ele pode ser apenas uma pessoa que dominou as técnicas do processo, com habilidade para ensinar o que o corpo precisa fazer. Um guru é algo muito maior e ele nem sempre precisa estar encarnado.
Isso significa que seu guru pode ser um livro?
Não exatamente, essa seria uma explicação bastante simplista.
Aqui no Brasil existem muitas escolas de ioga e várias delas cobram pequenas fortunas por suas lições. O que o senhor acha disso?
Professores precisam ganhar a vida. São técnicos, não gurus. É justo que alguém cobre pelo conhecimento que acumulou, mas é muito ruim quando as pessoas só encontram opções caras e gananciosas para a o estudo da ioga. Ou opções que valorizam demais a estética, a parte do exercício, flexibilidade. A ioga é um exercício incrível para o corpo, mas ela existe para ensinar o corpo a meditar, para torná-lo apto a passar longas horas meditando. Sem isso, a ioga é oca.
O senhor é um canadense criado nos Estados Unidos, em uma sociedade de consumo. Como e quando se deu seu interesse pela ioga?
Estudo ioga e meditação desde os 19 anos. No começo, meus pais não entendiam, achavam uma obsessão curiosa que logo passaria, como se fosse o interesse por uma banda ou algo assim, desses que temos na adolescência. Mas eles logo viram as transformações que aconteceram em mim. Em menos de um ano eu era outro. Era uma pessoa mais calma e tranquila. Tão calma e tão tranquila que eles também ficaram quase calmos e tranquilos quando anunciei que seria monge e não faria faculdade.
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